sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Banho

Escrito em 20/04/2012

     O barulho contínuo dos jatos de água saindo dos vários buraquinhos que junto com o barulho contínuo dos jatos de água saidos dos vários buraquinhos batendo no chão de azulejo não-tão-branco formava o barulho de chuveiro era a única trilha sonora de uma madrugada de quinta-feira num apartamento vazio. O som da água caindo sempre constante por minutos a fio uma hora começava a tomar uma quase musicalidade que era quase  como se você pudesse perceber micro alterações no ritmo com que aqueles banais jatos de água saiam daqueles banais vários buraquinhos, se você realmente parasse para prestar atenção.
     Mas Carolina não realmente parava para prestar atenção. Não que estivesse tomando um banho muito apressada. Mas o barulho dentro de Carolina era mais forte do que o barulho fora, vocês me entendem? É claro que não entendem.
     Porque naquela madrugada de quinta-feira a alma de Carolina estava transbordando todo o mal do mundo, como uma caixa de pandora desgraçada que fica na maior parte do tempo fechada tilintando dentro do coração, mas naquela ocasião abriu-se regurgitando toda aquela dor assombrosa que você poderia comparar com mil dedinhos chutando mil quinas de madeira que ainda não seria o suficiente.
     Naquele dia Carolina preferiu deixar que seus monstros tomassem conta do corpo magro como uma sombra, fazendo-a tremer-se inteira, sentada nua no chão de azulejos, deixando a água escorrer-lhe pela nuca, impotente diante da grandeza daquele sofrimento que não lhe era cabido.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Não volte pra casa

Eu te ligava depois da meia noite e ficávamos em silêncio cada qual do seu lado do telefone, cada um segurando com força sua ponta do fio de cabelo que nos mantinha juntos. Nenhum de nós tínhamos palavras - coragem? - para dizer o que ambos sabíamos, mas preferíamos ser cegos: Nosso tempo havia acabado.

sábado, 27 de abril de 2013

que seja doce


Como um chocolate depois de um café por demais amargo, você é assim, um sonho bom. Não é feito para durar para sempre, longe disso, mas é um instante de paz em meio ao caos, é um toque de paixão que veio para me lembrar que vale sim a pena, essa aventura a que chamamos de vida. Porque teus beijos são obras de arte, e a vida pode sim, ser doce.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Meu bem, os tomates já estão podres na cozinha, as malas estão cheias de poeira, o sofá já puiu, o gato está magro, a noite já veio e se foi mais vezes do que eu pude contar, e você ainda não voltou para me buscar.

Me tornando quem eu nasci para ser

     Durante a minha adolescência, eu costumava enxergar a vida que eu vivia como um treino, um rascunho, para quando minha vida começasse de verdade, quando eu enfim completasse os famigerados dezoito anos e ingressasse na universidade, tivesse liberdade para ir e vir e pudesse conhecer o mundo. Todas as decepções e todas as alegrias que eu vivia, encarava como lições que eu ia anotando na minha apostila do Curso Preparatório Para a Vida Real. Mesmo as coisas ruins, eu enxergava como algo que me ensinava uma lição que me deixaria mais próxima da pessoa que eu estava destinada a ser. Como se eu ainda não fosse uma pessoa, como se fosse apenas o feto da Gabriela do futuro.
     É claro que já naquela época eu enxergava vagamente que aquilo não era um pensamento lá muito racional ou saudável. Que, enquanto eu vivia com essa mentalidade de que a minha vida real ainda não tinha começado, e aquela pessoa que eu era não era quem eu estava destinada a ser, eu poderia estar perdendo muita coisa daquela vida que, se não era a dos meus sonhos, era a minha. Mas eu simplesmente não podia evitar.
     Hoje eu estou no lugar em que tantas vezes me imaginei aos 15 anos. Uma adulta (ao menos do ponto de vista legal). E ao olhar para mim mesma, não vejo nada daquela mulher confiante, madura, bem-resolvida, magra, misteriosa, que nunca fica constrangida sem motivo, sempre sabe a coisa certa a dizer e nunca se sente sozinha no meio da noite em uma cama grande demais para um, que eu ansiava por me tornar. Para ser honesta, me sinto muito mais parecida com a adolescente melancólica e ansiosa que começou um blog para botar para fora suas emoções, quando estas pareciam não caber-lhe dentro, do que com essa personagem mítica que minha imaginação púbere criou.
     Talvez eu tenha fracassado nas aspirações que eu tinha para mim mesma. Talvez ser gente grande seja assim mesmo: Não acontece uma grande transição em que você descobre todas as respostas e Quem Você Realmente É. Você se torna adulto, às vezes sem nem se dar conta, mas continua para sempre se sentindo pequeno e frágil num mundo por demais grande.

domingo, 15 de julho de 2012

Eu sou uma laranja inteira

     O amor é um sentimento assim: inesperado. Digo isso porque às vezes, sem mais nem menos, ele encontra a gente.
E as vezes não.
E não tem nada de errado nisso.
     Os cientistas o estudam. Os filósofos teorizam sobre ele. Os poetas o transforam em estrofes. Os músicos transformam-lhe em melodia. E todos o almejam - desde o menininho de 5 anos filho de um pai ausente, até a senhorinha do 911 que costura para as vizinhas e nunca se casou, passando pela mocinha de 19 anos na fila da balada de tamanco de acrílico e tubinho preto, que se justifica para si mesma com a libertação sexual mas que não conhece Beauvoir - todos, conscientemente ou não, buscam ser amados.
E não tem nada de errado nisso também.
     Mas hoje em dia nosso conceito de amor está muito deturpado. Estamos ficando muito carentes. Somos tão bombardeados pelo conceito de paixão arrebatadora pregada pela música e pela literatura, que sentimos que nós precisamos de alguém para sermos completos. De repente você não é o suficiente para si mesmo: Você tem um pedaço faltando que precisa desesperadamente encontrar. É aquele clichê da metade da laranja. Você como indivíduo é um quebra cabeça semi-montado. 
     Mas e se eu não me contentar em ser apenas a metade de uma laranja? E se eu quiser ser uma laranja inteira? Porque eu peço perdão aos filmes de Katherine Heigl, mas o meu maior objetivo na vida não é encontrar um grande amor. Ou pior, ter de carregar a imensa responsabilidade de ser o grande amor de alguém.
     Não é que eu o despreze. É claro que eu gosto de sentir borboletas no estômago ao conhecer alguém. É claro que eu quero ter um par de pés para esfregar nos meus debaixo do edredom. Mas e se não acontecer? E se eu chegar ao status de senhorinha e nunca tiver tido uma aliança no dedo? E se eu tiver tido paixões lindas, arrebatadoras, inesquecíveis - mas passageiras? E daí?
     Que me perdoem os românticos, pois eu sei que o amor é lindo. Mas eu me recuso a deixar meus dias passarem esperando que ele bata na minha porta como se a minha felicidade dependesse unicamente dele. Que me perdoem aqueles que se enxergam como apenas a metade de uma laranja, aguardando ansiosamente por alguém que os complete, mas eu sou inteira.

domingo, 1 de julho de 2012

O grande, o pequeno e o insignificante

     Eram 11000 metros acima do chão e a primeira vez em que eu estivera numa daquelas máquinas horrorosas. A ansiedade por tudo que eu veria dali a algumas horas me enchia de uma expectativa diferente de qualquer outro sentimento que eu pudesse ter experimentado antes. 
     Foi ali, naquele vôo comercial, enquanto o sol nascia sobre a Espanha, que eu olhei para baixo e me dei conta de uma verdade absoluta talvez óbvia, talvez boba, mas que na hora teve toda a importância para mim: O mundo era muito, muito grande.
     E eu era muito, muito pequena.
   Aquilo me atingiu: Não havia nada com o que me preocupar. Aquele mundo enorme era grandioso demais. Os meus pseudo-problemas, com todo o respeito por eles, eram por demais insignificantes diante de tudo aquilo. Toda a minha melancolia, tudo aquilo com que eu vinha lidando nos últimos tempos como quem trava uma batalha - nada daquilo importava. Era tudo pequenininho, tudo simples. Fácil de se resolver. E eu, pequena e insgnificante como eu era, queria fazer parte daquele mundo incomensurável que eu via pela janelinha do avião. Mas para isso talvez eu precisasse me esquecer um pouco do mundinho franzino e cinza que as vezes, à noite, eu permitia que se instalasse dentro de mim - se eu permitisse.

sábado, 23 de junho de 2012

Sonho disléxico

     Era uma casa pequena e amarelada, um lugar onde eu sabia que não deveria estar... Talvez eu fosse uma invasora ou apenas uma visitante indesejada? Eu só sabia que precisava deixar aquele cenário bucólica - e rápido.
     Começei a subir as escadas em espiral, sabendo que tinha que chegar logo ao topo. Em cada parede que circundava os degraus, havia escrito um poema. Tentava ler, mas as palavras não se encaixavam em minha mente. Apesar de não serem complexas, as palavras pareciam não se conectar. Eu subia rápido as escadas tentando compreender o que as paredes queriam me dizer - ou será que não era para que eu compreendesse? - mas as palavras dançavam frente aos meus olhos e as letras pulavam das linhas formando códigos sem sentido. Os caracteres flutuavam em volta de mim, me seguiam, me empurravam, faziam barulho, e eu corria...
     -Gabriela?
Acordei.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Aquarela

     De repente veio-lhe uma vontade louca de pegar um pincel e pintar. Fazer qualquer coisa bem bonita, que decorasse as paredes brancas do quarto, as paredes cinza da alma.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Meio dia



- Tem fogo?
- Todo o fogo que você precisar, gostosa.
- É sério, porra.
- Sei lá, procura aí na gaveta, que saco.
Clara chutou o cobertor para o lado e levantou-se, nua em pêlo, para depois olhar petulante para a janela que jazia aberta, deixando entrar o sol do meio dia. Que se foda. Atravessou o quarto com naturalidade, como se desafiasse algum vizinho a flagrá-la em seu despudor, aqueles classe-média nojentos, conformados.
De repente sentiu um calor que simplesmente não combinava com junho, mesmo naquela terra amaldiçoada por Deus. O quarto, já pequeno, pareceu tornar-se menor e Clara viu-se desconfortável como se estivesse presa em meio aquelas quatro paredes já amareladas pelo tempo e pela fumaça de milhares de cigarros. As sombras pretas de mofo e infiltração dançavam felizes sobre a tinta gasta como se zombassem dela, como se a desafiassem a repudiá-las. Até os fungos caçoavam dela, até as bactérias estavam dançando e dizendo que ela não pertencia ao cenário. Estava realmente muito quente ali.
Caminhou com seus pés descalços até a cômoda pouco preocupada em desviar dos cacos do que até ontem a noite fora um espelho e que hoje se espalhavam pelo chão, pontiagudos e felizes com sua nova condição de possíveis armas letais. Abriu a primeira gaveta com um solavanco. Preservativos, rascunhos de pseudo obras-primas, um vidro de aspirina pela metade, um maço de papel de seda. Nenhum isqueiro ou fósforo.
- Mas que favela você tem aqui, hein? - Gritou fechando a gaveta com um soco, fazendo tremer todo o móvel velho que os cupins haviam colonizado e transformado numa nação democrática. Para agredir, entende. Mas não obteve resposta, posto que Ernesto, aquele inútil, continuava deitado no colchão duro na mesma posição em que ela o deixou, nu, com a mão esquerda servindo de apoio para a cabeça e a mão direita segurando o pau - parecia um imbecil quando fazia isso. Os olhos verdes, maravilhosos por sinal, olhavam vidrados para uma rachadura longa no teto: Devia estar profundamente absorto na viagem que estava tendo. Drogadinho filho da puta metido a escritor, pensou Clara. Babaca.
- Você não se preocupa em estar desperdiçando alguma grande oportunidade que você nunca vai saber que teve porque estava deitado aí totalmente alucinado? Quer dizer, não se pergunta o que estaria fazendo quando não está enchendo o nariz de pó? Se você fizesse como as outras pessoas, sabe, acordasse, trabalhasse, interagisse, dormisse, essas coisas?
- Com certeza, gata. Com certeza.
- Você não tá nem escutando, seu grande filho da puta. Só fica aí deitado olhando pro teto, seu alienado do caralho.
- Com certeza.
Clara deu um chute na cômoda dos cupins da gaveta sem isqueiro. Ia embora daquele moquifo do Ernesto. Já fazia três dias, pelo amor de Deus, três dias só cheirando, bebendo, fodendo e dormindo. Pra mim chega entendeu? Chega. Não tinha nascido praquilo não. Havia sido criada na Zona Sul, entende? Colégios caríssimos. Não precisava daquilo não. Ia sair dali, ir tomar um banho, comprar um lenço. Boa ideia. Ia destrancar a matrícula da faculdade inclusive. E ia arrumar um estudante de medicina que usasse relógio de prata. Dessa vez o Ernesto ia ver.
Começou a catar suas roupas, espalhadas pelo chão. Com certo esforço encontrou uma bota num canto, um sutiã pendurado no abajur. Se a calcinha não aparecesse tudo bem, aliás nem da outra bota precisava pra ir embora. Mas sem a blusa ficava difícil... Ou não?
Antes que Clara conseguisse responder essa pergunta, Ernesto deu um suspiro. Seus olhos vidrados maravilhosamente verdes já não se dirigiam mais para o teto, e sim para ela. Não para o seu corpo, mas para seu rosto. Para os cabelos que pendiam sobre o ombro esquerdo. Para a pinta bem no meio das suas costas.
Clara sentiu-se enrubescer, como todas as vezes, sem exceção, desde a primeira, lembra daquele dia? Jogou a bota e o sutiã no canto e deitou-se novamente no colchão duro. Aninhando-se no peito dele com a leveza de uma gueixa, de uma borboleta, uma pluma talvez, suspirou.
- Eu te amo, sabia? Seu filho da puta.
- Com certeza, gata. Com certeza.